O
pior que se pode fazer no ensino das rochas ou das pedras, como toda a gente
lhes chama, é apresentá-las desinseridas dos respectivos contextos prático e
cultural, precisamente os que têm mais probabilidades de permanecer na formação
global do cidadão, em geral, e, naturalmente, também, dos estudantes.
Insistir,
como tem sido uso e abuso, nas definições estereotipadas e nas listagens para
“empinar” e, pior ainda, fazer de tudo isso matéria de ensino obrigatório,
tendo em vista a passagem nas provas de avaliação, é um erro grave, com
consequências graves. Os alunos passam mas continuam a ignorar a matéria que
lhes foi ministrada e lhes seria útil, em termos de bagagem cultural, como
cidadãos.
Por
esta via, não há formação possível, com a agravante de condenar tal
aprendizagem, não só ao esquecimento, como também à sua inclusão no grupo das
matérias escolares que se rejeitam ou se detestam, num sentimento que fica para
a vida.
Todos
falamos de rochas com base num conhecimento comum, empírico, vulgar, ligado à
experiência quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadãos. Rocha é um galicismo que, entre nós, se
sobrepôs ao termo roca, bem mais antigo, talvez pré-romano, e daí a expressão enrocamento com que se designa o acto
de proteger com blocos de rocha certos pontos da linha de costa face à acção
erosiva das vagas. Cabo da Roca deve o seu nome a esta versão
arcaica da palavra rocha. Em meios intelectuais, mais eruditos, fala-se de rocaille,
um termo francês alusivo ao barroco,
o estilo artístico, das artes plásticas, da música e da literatura, que recorre
a figurações de pedra lembrando grutas e rochedos e que, desde os finais do século
XVI até meados do século XVIII, se opôs ao classicismo da Renascença, termo
este que radica na palavra portuguesa barroco, então usada no sentido de pedra.
Vindo do pré-romano, tanto significa, entre nós, pedra como barranco, o sulco
que a água das chuvas escava no terreno, tornando-o irregular e pedregoso. Barrocal é a paisagem pedregosa que
marca o Jurássico calcário algarvio e barroqueiro,
a pedra que se apanha do chão e se arremessa. A mesma a que o alentejano e o
algarvio chamam bajoulo, num regionalismo muito seu.
Rochedo
deriva de rocha e é o mesmo que penhasco
ou
penha, expressões vulgares que deram nome a sítios como Penhascoso, Penha Garcia ou às conhecidas Penhas
Douradas e Penhas da Saúde, na
serra da Estrela. Penha, do castelhano peña, é o mesmo que pena, saída do latim, pinna,
de onde o termo pináculo. Penalva do Castelo deve o seu nome à
alvura da penha onde se erigiu aquela fortificação medieval. O Castelo da Pena, em Sintra, é assim
chamado por estar edificado sobre uma penha, à semelhança de outras que marcam
certos cimos pontiagudos do relevo. O mesmo é Penela, localidade anterior à nacionalidade, nascida em torno do
Castelo que marca o cimo dos rochedos de arenito do Triásico. O mesmo é ainda penedo que deu Penedo (em Colares), Penedos
de Góis, Penedono e Peneda, a serra.
Mais
vulgares são o termo e o conceito de pedra,
do grego pétra, que traduz a ideia de uma entidade natural, rígida,
coesa e dura, do "Reino Mineral". Petróleo é o óleo saído do chão, de dentro das rochas, assim como o
carvão-de-pedra, nome que se dava à hulha, é o que se extrai das entranhas da
Terra, como se de rocha se tratasse. Petrologia
é a ciência que estuda as rochas e petrólogos
os seus cultores. Petrificados
ficamos quando uma notícia nos gela o sangue e nos imobiliza. Num falar antigo,
petrificados são os fósseis, ou seja, os restos dos seres vivos do passado que
chegaram até nós depois de mineralizados ou convertidos em pedra. Petra é a antiga cidade da Jordânia repleta de
monumentais ruínas escavadas na rocha; Petrópolis
é uma cidade brasileira do Estado do Rio de Janeiro e São Petersburgo é o nome da antiga Petrogrado, assim chamada em homenagem a Pedro, não o Santo, mas o
Grande, de todas as Rússias.
Pedra angular
quer dizer fundamento, base ou suporte. Pedro,
nome de gente, vem de pedra. «Tu és Pedro
e sobre ti levantarei a minha Igreja» disse Jesus ao discípulo. Pedrógão, Alter Pedroso, Pedrouços
e Pedrulha são topónimos derivados
de pedra. Aumentativo de pedra, pedrão
deu padrão, o marco que os nossos
navegadores deixaram na rota dos descobrimentos. Pedrês é a galinha salpicada, num granulado de preto e branco, como
o granito. Empedernido diz-se
daquele que é insensível como a pedra e pedernal
ou pederneira é a pedra-de-fogo, ou sílex, que os nossos avós usavam nos bacamartes, ou com que os
tetravós destes talhavam machados, facas e pontas de seta. Empedrar, pedregoso, pedregulho, pedregal, pedrisco e pedreiro, que tanto é o operário que
trabalha a pedra, como é o nome que se dava aos morteiros de grande calibre que
lançavam pelouros de pedra, são outros vocábulos radicados no mesmo étimo.
Pêro é o nome arcaico de
Pedro e Peres são os seus
descendentes. Pêro Vaz de Caminha e Pêro da Covilhã são nomes conhecidos da nossa história e Pêro Botelho é o Diabo que não pára de
rugir na caldeira que tem o seu nome, no sítio das Furnas, na ilha açoriana de
S. Miguel. Peroliva, localidade do
distrito de Évora, quer dizer pedra cor de azeitona. Peramanca e Perafita são
nomes de sítios da mesma região, que evocam grandes marcos de pedra, através do
prefixo pera, que traduz a mesma ideia. Tais "peras" ou estavam mancas, isto é, tombadas, ou ainda se
mantinham fitas, maneira antiga de dizer erguidas, na postura fálica em que as
colocavam os nossos antepassados do período megalítico e que os
pré-historiadores franceses divulgaram sob o nome de menhires, mantendo a expressão original bretã men hir, que significa
pedra comprida. Em galês, pedra diz-se
lech, de onde o termo cromlech, que significa grande
pedra arredondada, já usada no século XVII, para designar este outro tipo de
monumento megalítico, de que temos magnífico exemplo no cromleque dos Almendres, perto de Évora.
De
origem antiga, duvidosa, talvez do pré-romano canthus, dispomos também
do vocábulo canto. Sinónimo de pedra
(cantal, em catalão), este termo, muito
pouco empregue entre nós, é de uso frequente na vizinha Espanha. Dele derivam cantaria, canteiro, canteira, esta
uma versão menos comum de pedreira (cantera,
em castelhano) e, ainda, cantil, a
ferramenta com que o escultor alisava a pedra, sendo curioso notar que alcantil, com o mesmo étimo, chegou-nos
através do árabe al kantil, que refere o escarpado ou cume rochoso.
Com
alusão à ideia de pedra usamos ainda o nome latino lapis. Com efeito, era de
pedra o lápis feito de ardósia da nossa infância. Deste étimo nasceram
expressões mais ou menos correntes como lápide
ou lápida, lapídeo que significa petrificado e insensível, lapidoso ou pedregoso e lapidificação que é o mesmo que
petrificação, mas que também é uma forma cruel e desumana de execução, entre os
fundamentalistas islâmicos, apedrejando os condenados até à morte. Lapidário é o pedreiro e lapidar, como verbo, é talhar a pedra,
mas, como adjectivo, que dizer basilar, fundamental. Lapidário é ainda o nome que se dava aos manuscritos que, na Idade
Média, falavam das pedras, em especial das suas propriedades medicinais e
mágicas, com descrições fantasiosas em torno delas, numa época em que mineral e
pedra se confundiam. Lapidadas são
as gemas que enriquecem as jóias dos que têm gosto e posses para as adquirir,
sendo o lápis-lazuli (pedra azul) uma
delas. Lapidicidas diz-se dos
moluscos que perfuram as pedras para aí se alojarem, lapidículas são as águias e outras aves que fazem ninhos entre
pedras ou nas fendas dos rochedos. Lapilli é o termo italiano adoptado
pelos nossos vulcanólogos para nomear um tipo particular de produtos
piroclásticos, para os quais já dispúnhamos da expressão açoriana, bagacina.
À
pedra vulgar, dos menos e dos mais letrados, à rocha, dos que passaram pelos
bancos da escola elementar, e ao quase esquecido canto há, ainda, a juntar o
elemento de composição culta lito, saído do grego, lithos,
que contem a ideia de pedra ou rocha, de uso restrito a estratos mais avançados
em termos de escolaridade e vivência sóciocultural. Litologia é, assim, a disciplina interessada no estudo das rochas. Litogénese alude às suas origens e litosfera é o termo que, em linguagem
científica, se dá à capa rochosa que envolve a Terra, formando os continentes e
o substrato dos fundos oceânicos. Litografia
e litogravura, paleolítico e megalítico,
batólito, fonólito, litoclasto, litófago e litificação exemplificam alguns dos muitos termos de uma linguagem
erudita, apoiados naquela expressão de origem grega.
Muitíssimo
menos divulgado, mesmo entre os geólogos, mas bem conhecido dos cultores da
língua e estudiosos dos seus percursos semânticos, temos ainda o elemento de
composição culta, sax, que exprime igualmente a ideia de pedra. Oriundo do latim,
saxus,
compõe as palavras sáxeo e saxoso, duas formas eruditas de dizer
pétreo, pedroso ou pedregoso, e ainda saxátil,
o que vive entre as pedras, e saxícola,
que tanto é o indivíduo que habita as penedias como o idólatra que presta culto
aos deuses de pedra. Passando ao uso popular, saxus deu seixo, pedra dura ou pedra bruta que, com o tempo e para
as gentes do litoral sul, passou a referir, em geral, os calhaus rolados das
praias ou dos rios. Diga-se que em alguns sítios do interior norte e serrano, o
termo seixo é empregue para denominar os fragmentos angulosos de quartzo
filoniano espalhados no terreno por desmantelamento e erosão dos respectivos
filões, onde, em alguns casos, se explora este mineral.
Seixal, quer a cidade e o
concelho a sul do estuário do Tejo, quer a povoação na costa norte da ilha da
Madeira, devem o nome à abundância de calhaus rolados ou seixos ali
concentrados pelo transporte fluvial do Tejo, no primeiro caso, e pela acção
das vagas, no segundo, tornando seixosos
os respectivos locais. Em alusão ao referido carácter anguloso, às vezes
subentendido na palavra seixo, temos, por exemplo, as localidades Seixinho (Guarda), Seixal (Viseu) e Seixoso
(Porto) marcadas pela abundância de fragmentos angulosos de quartzo dispersos
no solo. A associação de seixo ao quartzo filoniano está ainda patente na
expressão seixo-bravo usada, no
norte do país, para referir os filões quartzosos estéreis, isto é, sem minério.
Chama-se seixeira à escavação de
onde se extraem seixos para diversos fins industriais, e seixebrega à planta usada em tisanas, como mezinha, para destruir
ou dissolver as pedras do rim, ou cálculos,
termo este que, como veremos, está também ligado ao mundo das pedras. Saxífrago é o que parte ou destrói a
pedra, sendo curioso notar que, neste último
nome, também o elemento frago evoca o mesmo tipo de
material. Com efeito, fragas são
penhas, penhascos ou rochedos. Fragoso,
saído do latim, fragosu, significa pedregoso, penhascoso. Fraguedos e fragarias
são penedias, do mesmo modo que fragais
ou fragaredos (como se diz em
Trás-os-Montes) e fragueiros são os
que vivem nas montanhas, entre fragas.Um
outro nome, silício e os seus
derivados sílica, silicatos, silicitos e silicon
radicam no termo latino, silex, que tanto significa
pederneira como, também, pedra e calhau. De facto, são de pedra os bem
conhecidos artefactos de sílex, ou sílices,
dos nossos remotos antepassados e, daí, a expressão Idade da Pedra com que
designamos esses tempos pré-históricos.
Mas
há ainda outros termos na nossa linguagem comum associados às rochas, tal a sua
importância na vida da humanidade. E comecemos pela palavra cálculo, atrás referida como pedra na
litíase biliar ou na renal. Com efeito, calculu, do latim, significa
pedrinha, e com pedrinhas se contava e faziam contas na Antiguidade, operações
a que hoje chamamos calcular e que fazemos
por via electrónica nas modernas calculadoras.
Do mesmo modo, cal, também do latim,
calx,
significa calhau e, portanto, pedra. Com pedras a servirem de lastro ou
balastro se calam os barcos quando,
sem carga, se fazem ao mar. Calçada
é o revestimento com pedras (calces, em latim, no plural), calceteiro, o artista que celebrizou no
mundo a calçada portuguesa, e calcedónia,
a variedade de quartzo presente nas ágatas, no ónix e noutras rochas siliciosas.
O mesmo étimo está na base de calcário,
a rocha sedimentar com que se faz a cal, a pedra branca que, uma vez regada com
água (derregada) dá a calda com que ainda se caia nas aldeias e montes do
Alentejo, ou a argamassa que dantes se usava em vez do cimento. Cálcio, calcite, calçado, calcanhar e calcâneo são nomes que facilmente se relacionam com esta mesma
etimologia. Calçar é também meter
uma pedra por baixo daquilo que queremos que fique firme, calcar é dar a compactação da pedra e calcinar é queimar e reduzir a cinzas, isto é, ao resíduo mineral,
não combustível. Calha ou caleira são sulcos ou regos
inicialmente empedrados, tendo o nome sido generalizado, depois, ao mesmo tipo
de aparato ainda que feito com outros materiais. Mas caleira ou caieira (termo
usado no Alentejo) é também forno de cal e caleiro
ou caieiro, o homem que a
fabrica e/ou a vende, caiador aquele
que se serve da cal para caiar e caios
são as ilhas rasas, feitas de areia calcária, dos mares recifais das Caraíbas. Calle
é a rua ou a calçada dos nossos vizinhos espanhóis, com correspondência para
português em calhariz e na palavra calheta que, no mundo rural do
continente se usa para referir um atalho por onde passam os rebanhos e que, nas
ilhas, significa pequena enseada ou abrigo na costa rochosa.
E as
referências às rochas, sempre ligadas ao nosso quotidiano desde os tempos mais
recuados, não cessam de no-lo lembrar.
Lapa, vinda do
pré-céltico, é uma grande pedra que forma um abrigo natural, e lapedo é sítio de muitas lapas. De origem
incerta, talvez pré-romana, laje deu
lajão, lajinha, lajear e lajedo.
De
origem igualmente obscura temos ainda os termos rebo e gobo que
significam calhau rolado, e os seus equivalentes minhotos, gode e godo, e o
transmontano, gogo, o seixo liso ou rebolo, em que o sapateiro batia a
sola.
De
uso regional, restrito, chamamos conhos,
do latim cuneus, tanto aos penedos
arredondados e insulados a meio do rio, como aos calhaus quartzíticos rolados
das aluviões fluviais. No Tejo e no Zêzere, entre outros rios do centro do
País, são conhecidas as conheiras, ou seja, extensos amontoados de conhos,
deixados pela prospecção e lavra do ouro, levadas a efeito em grande escala, ao
tempo da ocupação romana do nosso território.
Rupi ou rupe são mais dois
elementos de composição culta, de origem latina, que veiculam a ideia de rocha,
sendo por isso que qualificamos de rupículas
os animais que vivem entre rochas e
adjectivamos de rupestres as
gravuras e as pinturas deixadas nas paredes rochosas pelos nossos antepassados
pré-históricos.
Para
os romanos, gemma era o nome que se dava às pedras preciosas, algumas delas
já então conhecidas e descritas por Plínio, o Velho. É por esta razão que
designamos ao mineral halite damos o nome de sal-gema, para a distinguir do
cloreto de sódio produzido nas marinhas.
Do
outro lado do Atlântico, o étimo ita, do tupi, falado pelos índios do
Brasil, quando os portugueses ali chegaram, traduz a ideia de pedra e figura na
composição dos nomes de duas localidades brasileiras de Minas Gerais, Itabira e
Itacolumi, e de duas rochas, muito especiais, oriundas dessas regiões — itabirito, um arenito flexível, e itacolumito, um importante minério de
ferro. Divergente de ita, segundo o Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, o sufixo culto ite, do grego ités, é usado, entre
franceses e ingleses, na formação de nomes quer de minerais quer de rochas. Entre
nós, este sufixo é apenas usado nos nomes de minerais (pirite, calcite,
dolomite, grafite, etc.) Para as rochas, os petrógrafos portugueses da segunda
metade do século XX, adoptaram a versão ito (granito, quartzito, dolomito, antracito,
kimberlito, etc.)
In: A. M.
Galopim de Carvalho - “Introdução ao Estudo do Magmatismo e das Rochas
Magmáticas”, Âncora Editora, Lisboa, 2002.
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