Foto: APA
O conceito de
diversidade biológica – ou biodiversidade – é, ao mesmo tempo, difícil de
definir e extraordinariamente vasto e abrangente, englobando toda a variedade
de formas que a vida assume, em todos os seus níveis de complexidade, desde o
gene até aos ecossistemas (no limite, à biosfera).
Por onde começar
então?
Na zona
intertidal de uma praia rochosa observa-se facilmente uma grande variedade de animais,
entre crustáceos (camarões, caranguejos, cracas, percebes), moluscos (mexilhões
e outros bivalves, vários búzios, polvos, chocos), minhocas de diferentes
tamanhos e cores, esponjas, cnidários (anémonas e penas-do-mar), equinodermes
(estrelas-, ouriços- e pepinos-do-mar), para referir apenas os mais evidentes.
Também as praias sedimentares (de areia e vasa), que podem, à primeira vista,
parecer desertos onde salta uma ocasional pulga-do-mar, albergam dezenas a
centenas de espécies de animais no seio do sedimento. Depois, há as plantas:
algas verdes, vermelhas e castanhas, de muitas formas e tamanhos, uma enorme
variedade de plantas que florescem nos sapais e dunas, sem esquecer as
ervas-marinhas, plantas com flor que vivem na água salgada. Também os líquenes
estão presentes, com formas mais discretas, que fazem pensar em rocha suja, ou
mais exuberantes, formando pequenos tufos de cores variadas.
No cômputo da
biodiversidade no litoral, há ainda que incluir todos os peixes, aves e os
ocasionais mamíferos que visitam a praia e, para concluir o inventário, não se
podem deixar de fora incontáveis espécies de fungos, bactérias e vírus que
povoam estes ambientes e/ou os organismos que deles fazem o seu lar. Falámos só
de espécies e já o número é, pelo menos, da ordem dos milhares. Considerando
que cada espécie é ainda a súmula da variabilidade de todos os seus genes, nas
suas infinitas combinações, que permitem aos indivíduos adaptarem-se, melhor ou
pior, aos ambientes que ocupam,
o número de diferentes formas vivas numa dada área – a sua biodiversidade total
– aumenta, provavelmente, de várias ordens de grandeza. Deve-se ainda ter em
conta a unicidade de cada ambiente, de cada praia, de cada zona costeira. Por
muito semelhantes que pareçam à primeira vista, em cada local há uma combinação
única de condições ambientais e de organismos, o que faz com que não haja,
verdadeiramente, duas comunidades iguais.
Na “zona
terrestre contígua” encontramos, para além de tudo o mais, um mamífero hominídeo
altamente modificador do seu ambiente. Mesmo nesta era da globalização e da
normalização, ainda assim conseguimos encontrar especificidades locais,
antropológicas e sociais, que constituem a identidade particular de cada
comunidade humana costeira, mesmo nas mais descaracterizadas. E, porque somos
parte integrante da comunidade costeira, a diversidade de hábitos, práticas e
vivências humanas na e com a costa é também mais um aspecto da biodiversidade
litoral.
Porém, tanto o
litoral como a biodiversidade estão, em muitos casos e cada vez mais, em
erosão. Se da erosão litoral se fala já amiúde (sem por isso se encontrarem, em
demasiados casos, respostas viáveis e sustentáveis para os problemas), já a
erosão da biodiversidade é frequentemente esquecida. No entanto, também a
biodiversidade litoral se encontra em erosão, ameaçada, entre outros aspectos,
pela introdução de espécies exóticas que se sobrepõem às autóctones ou pela
artificialização de longos troços da costa, mas também, no que diz respeito à
componente humana, pela desvalorização e perda de conhecimentos e práticas
ancestrais de utilização e ocupação sustentada do litoral – da cultura
costeira.
Ao longo desta
campanha e enquanto monitorizávamos o litoral vimos, tal como em anos
anteriores, que continua pejado de todo o tipo de resíduos, que se continua
teimosamente a tentar estabilizá-lo, apesar de sabermos como é inerente e
necessariamente dinâmico, e que continuamos paulatinamente a depauperá-lo.
O que aprendemos
então de novo ao longo desta campanha? Claro que a resposta será diferente para
cada um dos participantes de nós mas, ao lançarmos um novo e mais
profundo olhar sobre a biodiversidade, certamente que cada um de nós passou a
conhecer melhor aquilo que torna única a praia, ria ou poça, em suma, aquele
pedaço da costa de que tanto gostamos e a que chamamos “nosso”. Dessa forma,
tornámo-nos cidadãos costeiros mais informados e, quem sabe, mais pró-activos
na defesa do nosso litoral.
Maria Adelaide Ferreira é bolseira no Laboratório Marítimo da Guia
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