segunda-feira, 12 de julho de 2010

Um olhar sobre a biodiversidade


Foto: Lurdes Soares
A escolha da Assembleia-geral da ONU ao declarar 2010 como Ano Internacional da Biodiversidade coloca o tema da fragilidade dos ecossistemas e a destruição da biodiversidade nas agendas políticas e diplomáticas. Aguarda-se, com expectativa, que chegue a todos urgentemente a mensagem: ao actual ritmo de desenvolvimento e modo de vida a perda de biodiversidade atingirá contornos irreparáveis com profundas consequências para o mundo natural e o nosso bem-estar enquanto espécie.
A consciência colectiva da velocidade a que se perdem espécies e da premente necessidade de tomar medidas com vista à sua conservação não é uma questão recente, pelo contrário, há muito que é invocada por investigadores e debatida nas conferências sobre ambiente e sustentabilidade. Em Junho de 1972, durante a Conferência de Estocolmo, a conservação da natureza, da vida selvagem e os recursos genéticos foram identificados como uma área prioritária. Mais tarde, em 1992, na Conferência do Rio, foi apresentada a Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada por 175 países.
Desde então a perda de biodiversidade intensificou-se em termos espaciais e temporais, tornando quase insignificantes algumas das medidas tomadas com vista à sua preservação. Desenganem-se os que julgam que tudo se recompõe, ou aqueles que consideram que os “outros” é que são responsáveis. O Homem modificou, sobretudo nos últimos 50 anos, os ecossistemas mais rápida e extensivamente que em qualquer intervalo de tempo equivalente na história da humanidade e a natureza não consegue repor-se ao ritmo a que destruímos.
Esta é a realidade a nível mundial, porém se analisarmos a situação em Portugal apercebemo-nos que esta não difere. Segundo o relatório Millenium Ecosystem Assessment, disponível em http://www.ecossistemas.org, «nos últimos 50 anos assistimos a alterações significativas nos ecossistemas portugueses impulsionadas por profundas modificações socioeconómicas. A economia aumentou mais de seis vezes, o número de agricultores diminuiu mais de 60% e a área agrícola reduziu-se em 40%. Ocorreu a intensificação agrícola e a florestação com monocultura de eucalipto, com impactes negativos na biodiversidade e nos serviços de regulação dos ecossistemas. Os nossos rios sofreram modificações dramáticas com a construção de barragens e com o aumento da poluição proveniente da agricultura e da indústria. O problema das espécies exóticas invasoras agravou-se nas ilhas e aumentou a pressão sobre os ecossistemas costeiros. Em muitos ecossistemas manteve-se ou agravou-se o nível de sobre-caça e sobre-pesca».
Convém realçar que a biodiversidade existente em Portugal Continental inclui mais de 3 000 espécies de plantas vasculares, cerca de 400 espécies de vertebrados, e um número desconhecido de espécies de invertebrados. Nos Açores e na Madeira existem mais de 1 700 espécies de organismos que não existem em mais nenhuma parte do mundo (endémicos).
Num país em que a produção alimentar é deficitária em 30% em relação ao consumo, de acordo com dados do Millenium Ecosystem Assessment, uma maior destruição dos ecossistemas implica uma maior dependência face ao exterior. Contudo, diariamente ouvimos relatos da destruição de fundos marinhos, comercialização de espécies ameaçadas e em extinção; destruição de florestas através de incêndios, e não só; práticas agrícolas pouco ou nada sustentáveis e mais um rol de outras acções que directa e indirectamente contribuem para a devastação dos ecossistemas.
Respeitar as áreas protegidas, preservar espécies em extinção, modificar comportamentos, são algumas das atitudes de cidadania que devem ser intrínsecas a qualquer ser humano. Há que tomar consciência que os problemas ambientais das próximas décadas e a consequente degradação da biodiversidade só serão minimizados se cada um de nós, em particular, e a sociedade, num todo, tomar uma atitude mais pró-activa, colaborativa e responsável.
No seu livro Eco-inteligência, Daniel Goleman alerta: «Compramos champôs contendo químicos industriais que podem ameaçar a nossa saúde ou contaminar o ambiente. Mergulhamos para ver recifes de corais, não tendo consciência de que um ingrediente do nosso protector solar alimenta um vírus que mata o recife. Usamos t-shirts de algodão biológico, mas não sabemos que os seus corantes podem fazer os operários correr o risco de contrair leucemia».
Neste alerta está implícita a devastação da biodiversidade e a consequente perda de qualidade de vida para o ser humano. Que o Ano Internacional da Biodiversidade contribua para uma sociedade mais sustentável e com seres humanos mais respeitadores das espécies que connosco partilham o planeta e que num todo formam a Biodiversidade.
 Lurdes Soares, doutoranda em Estudos Avançados de Ecologia Humana na FCSH-UNL

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